“Pé de valsa”
desde os dezesseis anos quando foi arrastado pelos amigos aos primeiros bailes,
o que mais Felipe gosta nas horas de lazer é dançar. Ocupa todas as noites de
final de semana nos salões. Poucos conhecem e fazem uso da arte como ele.
Samba, pagode,
axé, lambada, até forró, ficam mais animados quando ele se apresenta no salão.
Já não é ele
quem se preocupa em convidar as moças para dançar. Elas é que disputam a
oportunidade de ter uma dança que seja com o rei do salão.
Guiadas por ele,
as moças flutuam como penas e não raras vezes todo o salão para para admirar a
beleza da dança de Felipe.
Apesar disso,
ele jamais conseguiu que Marta, sua esposa, o acompanhasse numa dança. Esta é a
tristeza da vida de Felipe. Mesmo no dia do casamento deles foi cancelada a
dança dos noivos porque Marta fugiu na hora em que a valsa foi anunciada.
Ela, às vezes, o
acompanha ao salão, mas lá, planta-se a um canto e dali somente sai para voltar
para casa.
Felipe e Marta,
embora não tenham filhos, formam um casal feliz. Não que só sejam felizes os
casais com filhos, mas que os filhos verdadeiramente fazem a alegria dos
casais, isso não há dúvida. Também o fato de não terem filhos não é uma opção
do casal. Eles querem, mas também não se entristecem com a demora.
Marta sempre foi
reservada. Não foi moça muito festeira, ao contrário, era muito caseira.
Tímida, custou a aceitar o pedido de namoro de Felipe. E só o aceitou porque o
irmão, amigo de infância de Felipe, o apresentou com as melhores referências.
Aos seus olhos, Felipe era um estroina, um vulgar... E o irmão teimava que não.
Seu irmão não
era como o amigo. Não sabia conduzir uma dança. Gostava mais de futebol. Não
podia ter notícias de um bate-bola que já corria para lá. Se possível era o
primeiro a chegar e o último a sair. Mesmo depois de casado muitas vezes
deixava a esposa para correr atrás de uma bola.
A esposa, sem
outras alternativas, ligava-se à televisão. Novelas, filmes, shows. Tudo, menos
futebol.
Diferente da
cunhada, sua mocidade já foi mais expansiva. Ia a festas, shows, bailes. Teve
uma juventude mais divertida em relação à cunhada. Foi nesse tempo que tomou
gosto pela dança. Não era exímia dançarina, mas se divertia.
Com as
constantes partidas de futebol do marido e algumas discussões entre eles, ela
volta a frequentar os bailes abandonados com o casamento. Assim, depois de um
bom período de afastamento, ela volta às pistas.
Samba, forró,
pagode, axé, fazem com que ela se esqueça dos problemas cotidianos. Seu belo
corpo se embala e não quer mais parar.
Marta, com o
tempo, às vezes, acompanhava Felipe. Foi assim que um dia convence o irmão e a
cunhada a acompanhá-los.
No salão, depois
de reservada uma mesa, e entre uma bebida e outra, Felipe se dirige com a
concunhada para a pista de dança e deixam Marta e o irmão guardando seus
lugares à mesa.
Na pista de
dança, passam bons momentos. Seus corpos agitam-se de um lado para o outro,
completamente entregues à música que embala o ambiente. Perdem a noção do
tempo. A dança é, para eles, a expressão máxima do prazer. Ali, naquele salão,
entregues à dança, era como se estivessem cada um na intimidade de seu lar.
Junto à mesa,
Marta e o irmão seguem numa conversa alheia e tediante. Chega-lhes um velho
companheiro de futebol e frequentador dos salões. Depois de os cumprimentar,
beijando o rosto de Marta (beijo que ela recebe com certo desagrado), pergunta
por Felipe. Informado que se encontram na pista de dança, procura-os com o
olhar inquieto e inquiridor. Não os vendo, volta-se para os irmãos e comenta.
- “Enquanto eles
estão dançando, vocês é que dançam”.
(Paulo de Morais)