quarta-feira, 14 de outubro de 2009

ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS

Notícia do DESTAK:
“O Senado aprovou ontem o acordo que trata das relações entre o Brasil e o Estado do Vaticano (...) Entre os pontos que despertaram maior debate está o artigo que estipula ensino religioso, católico e de outras religiões, nas escolas públicas de ensino fundamental. A matrícula não é obrigatória.” ( DESTAK, edição nº 786 – Ano 4 – Quinta-feira, 08 de outubro de 2009, página 6)
Sem entrar no mérito de qual religião será adotada para integrar a grade curricular, algumas considerações devem alcançar resposta antes da prática se efetivar, visto que estamos ante o texto constitucional adotado pela República Federativa do Brasil, que constituiu-se em Estado Democrático de Direito, ou seja, TODOS SÃO IGUAIS.
No mesmo diapasão, a Lei nº 8.069/90, no capítulo que trata dos direitos da Criança e do Adolescente, no que toca à liberdade, ao respeito e à dignidade, inclui a liberdade de crença e de culto religioso (artigo 16, III) diferente até, se o quiserem, de quem exerce sobre eles o poder familiar. Da mesma forma o direito ao respeito (artigo 17) faz pertinência a idéias e crenças, sendo vedado, contra eles, qualquer tratamento desumano, vexatório ou constrangedor (artigo 18).
Nesse sentido, diante da imensa massa populacional com a diversidade de religiões existentes no Brasil, qual será a adotada pela escola? Se adotar apenas uma, diante do texto da notícia, somente deverão freqüentar as aulas os alunos que professam aquela religião. Os demais, por livre escolha e emprego efetivo do texto constitucional que preceitua a liberdade de consciência e de crença (artigo 5º, VI) permanecerão não matriculados.
Por outro lado, o que será oferecido como aproveitamento de tempo dos alunos que não se matricularem no ensino religioso destinado a determinada religião na escola?
Será que todas as crenças religiosas estarão representadas no ensino fundamental a ponto de suprir a necessidade de todos os alunos?
Não há como negar que a falta de religiosidade tem provocado muitos problemas no nosso país. Entretanto, é preciso refletir bastante em tornar o ensino religioso integrante obrigatório da grade do ensino fundamental, mesmo com a não obrigatoriedade da matrícula (pelo menos nesse primeiro momento). Ou será que num futuro próximo, a lei há de contrariar o princípio estampado no inciso II do artigo 5º da Carta Magna e obrigar as pessoas a deixarem de seguir suas crenças e terem suas liberdades de culto para assistir as aulas de outra religião?
Ademais, será que não trata o acordo firmado de uma violação ao artigo 19, inciso I, da nossa já “maior de idade” Constituição Federal, que veda aos entes estatais o estabelecimento de cultos, mantença de relações de dependência com seus representantes, com a ressalva de que haja colaboração de interesse público?
O interesse público deve atender realmente às necessidades de todos e nesse aspecto pensamos como o grande Ruy Barbosa: “O Estado não deve ensinar a religião, pelo mesmo motivo que não deve ensinar a irreligião. São razões de moralidade, razões de governo, razões de direito, razões de competência natural as que se opõem a que ele abra a escola profissional de incredulidade ou assuma a cadeira de propaganda religiosa.”
Diante de um ensino público sucateado, no qual não se consegue ensinar as matérias pertinentes à Educação, quais sejam língua portuguesa, matemática, ciências, geografia, etc., há que se perguntar: é de interesse público o ensino religioso (que pode descambar para o privilégio a uma só religião) nas escolas de ensino fundamental?
Já se comentou que essa medida tem sua importância na razão em que incutirá o medo do inferno nas consciências hoje abandonadas de uma preocupação efetiva com a vida eterna.
“É por não ter medo do inferno que as pessoas hoje matam por qualquer bagatela, ou até mesmo sem motivo algum, simplesmente porque não gostaram da cara do outro” – argumenta a defesa da ideia.
E prossegue: “as pessoas precisam ter medo do inferno para não cometerem tais absurdos e respeitarem as normas legais impostas, para haver mais solidariedade, mais harmonia na sociedade”.
Em primeiro, essa tarefa do ensino religioso não compete ao Estado, mas à família. Somos um Estado laico. Cremos que com isso, o Estado – na linguagem popular – está “arranjando sarna pra se coçar”.
E, segundo, a imposição do medo nas pessoas de forma alguma causa respeito pelas normas legais. Isso seria possível (tal como foi) no tempo da inquisição. Naquela época, as pessoas viviam com medo estarrecedor, de tudo e de todos. Não nos dias atuais.
Hoje o que faz com que as pessoas cometam crimes é a falta de punição neste mundo mesmo, e não no inferno, onde, segundo a crença popular (criada pela religião), as almas ficam sob o tormento do fogo devastador perenemente. Essa crença, por si mesma, vai de encontro à pregação da própria religião quando ensina a bondade infinita do Pai Celestial.
Já não dá para aceitar, doutores, que Deus – sendo tão bom e pai de todos – permita que seus filhos vivam eternamente sendo tragados pelas labaredas inclementes do fogo do inferno. E sob que critério isso ocorre? Pelo critério do próprio Deus? Ou pelo critério dos homens que se julgam perfeitos e condenam seus irmãos ao fogo eterno só porque não comungam da mesma crença?
Sob qual critério, senhores, pode alguém ser condenado ao fogo do inferno?
Ao passo que os senhores, doutores do presente e do futuro, defendem tanto o devido processo legal, respondam (para suas próprias consciências) sob qual critério.
Pensamos de forma diversa. O medo do inferno não impõe respeito às normas legais. O que pode provocar esse respeito nas criaturas é o conhecimento, é uma efetiva aplicação dessas normas, principalmente por parte dos que juraram defender o direito. E mais: o que pode impor respeito às normas é o completo banimento da impunidade, ou seja, para vencer “a grande ameaça que nos aflige, o formidável inimigo, o inimigo intestino, que se asila nas entranhas do País” – conforme visão do Águia de Haia – “revela instaurarmos o grande serviço da defesa nacional contra a ignorância”. E tal não se faz, senhores, incutindo medo nas consciências, mas EDUCANDO-AS.
É preciso uma reforma muito mais avançada do que a desejada pelo brasileiro que mais se aproximou da solução ideal para o maior problema do Brasil, Ruy Barbosa. É necessário, e urgente, uma reforma íntima do ser humano. Reforma que se opera com o conhecimento, com a aplicação das leis, com o devido atendimento ao preceito universal da harmonia entre todos – o amor fraterno.
O contrário disso é o inferno.
Se os prezados doutores não se atentarem a isso poderão fazer o que os “chefes” querem e viver no inferno com medo do inferno futuro da dispensa.
Por derradeiro, cumpre informar que não há respostas prontas para as indagações. Elas surgirão naturalmente no processo de adaptação da nova norma. E queira Deus que o radicalismo não prospere sobre a liberdade religiosa que escrevemos na Constituição Brasileira.

Paulo de Morais
08 de outubro de 2009-quinta-feira

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